Nunca se falou tanto na relação do ser humano com a natureza como em março de 2020. A pandemia do COVID-19 evidenciou ainda mais como nossas atitudes têm impacto não só em nossa própria rotina, mas no funcionamento de todo o planeta, com consequências que podem ser irreversíveis.
Apesar de o tema ter ganhado força nos últimos anos, foi o Relatório de Brundtland - Nosso futuro comum, publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento das Nações Unidas (CMED), que deu notoriedade ao conceito de desenvolvimento sustentável - o desenvolvimento que atende às necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para atender às suas próprias necessidades.
Em conformidade com a pauta da CMED, a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs, em 2015, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mediante os quais observa-se que o desenvolvimento sustentável depende de abordagens holísticas e integradoras para promover um futuro comum a todas as nações e seus habitantes, independente das características que os distinguem.
Qual a relação entre alimentação e desenvolvimento sustentável?
O conceito de sustentabilidade é frequentemente associado a aspectos ambientais. Porém, além da dimensão ecológica, o desenvolvimento sustentável integra as dimensões social e econômica. É também nessas três dimensões que se baseia a alimentação sustentável -, afinal, para que os ODS sejam atingidos, é preciso garantir que a população tenha acesso a alimentos e que estes promovam a saúde, sejam produzidos preservando as outras formas de vida e sejam consumidos de forma responsável. Um sistema alimentar, portanto, integra pessoas (do produtor rural ao consumidor), economia (produção, industrialização, transporte e comércio) e meio ambiente (utilização de recursos naturais).
Além disso, uma visão ampliada de alimentação saudável e sustentável envolve saberes e práticas de diversos atores e campos do conhecimento que se relacionam com a alimentação e o sistema alimentar. Como cantam os Titãs, em sua música Comida, é importante compreender não só o que se come, mas também as formas de produção (modelos de agricultura e pecuária) e de acesso aos alimentos (políticas de abastecimento e comercialização, em diferentes modalidades) e os modos de comer de indivíduos e grupos sociais.
“a gente não quer só comida,
(...)
a gente não quer só comer”
Comida - Titãs
O produtor, a indústria, o consumidor e a alimentação sustentável
A alimentação sustentável envolve, então, todo o percurso do alimento, do campo à mesa e, nesse sentido, é necessária a atuação de todas as partes envolvidas no processo.
Começando pela produção do alimento, técnicas de cultivo que envolvem agroecologia, análise preditiva e agricultura inteligente podem ser utilizadas pelo produtor rural buscando a melhor utilização e preservação dos recursos naturais.
Na indústria, onde o alimento será processado e embalado para ser direcionado ao consumidor, algumas práticas como economia circular, logística reversa (abrangendo reutilização e reciclagem de materiais), investimento em embalagens sustentáveis, otimização dos processos de produção e reaproveitamento da água são fundamentais para assegurar a sustentabilidade da cadeia de processos.
Por fim, o consumidor tem o dever de fazer escolhas cada vez mais conscientes (com um olhar holístico sobre o produto), reaproveitar materiais e destinar o seu lixo de forma adequada (realizando a compostagem de restos orgânicos, por exemplo).
E qual o papel do engenheiro de alimentos?
O profissional da área de alimentos pode exercer suas atividades em diferentes setores de um sistema alimentar, mas a presença do engenheiro de alimentos é mais marcante nos processos industriais de produção alimentícia, podendo atuar com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, controle de qualidade, gerenciamento de processos, entre outros.
Assim, é seu dever ter uma visão holística sobre o processo e agregá-la à cadeia de produção, além de estar atento às inovações tecnológicas e aplicá-las em sua área.
Na pesquisa e desenvolvimento de produtos, por exemplo, é necessário levar em conta as características socioeconômicas do público-alvo, bem como a acessibilidade do alimento e os aspectos comportamentais relacionados à alimentação, afinal, nos alimentamos não só para nutrir nosso corpo, mas também para construir boas lembranças e satisfazer nossos desejos.
Já no controle de qualidade e no gerenciamento de processos, deve-se ponderar a maneira como o alimento foi produzido, como será processado e qual será a logística de transporte e distribuição ao consumidor final. Aqui, as inovações trazidas pela indústria 4.0 são fundamentais.
"O desafio da indústria alimentícia é ter um olhar sobre toda a cadeia, desde a produção até o consumidor, e isso passa por focar na redução de perdas e desperdício. Com a Indústria 4.0, pode-se ter a capacidade de monitoramento e rastreamento ao longo de toda a cadeia, usando, por exemplo a IoT (Internet das Coisas)", comenta Jorge Behrens, docente e pesquisador da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, em entrevista à Food Connection.
Os 12 princípios da engenharia para um desenvolvimento sustentável
Em 2005, a Academia Real de Engenharia publicou um guia de princípios orientadores da engenharia para o desenvolvimento sustentável, o qual sintetiza, em 12 princípios, a contribuição do engenheiro para o alcance dos ODS:
1. Olhe além da sua localidade e futuro imediato;
2. Inove e seja criativo;
3. Procure uma solução balanceada;
4. Busque o engajamento de todas as partes interessadas;
5. Tenha certeza de que você conhece os desejos e as necessidades;
6. Planeje e gerencie de forma eficaz;
7. Dê à sustentabilidade o benefício de qualquer dúvida;
8. Se poluidores devem poluir… devem pagar também;
9. Adote uma abordagem holística do início ao fim;
10. Tendo decidido o que é certo a fazer, faça as coisas corretamente;
11. Cuidado com as reduções de custo que mascaram o valor da engenharia;
12. Pratique o que você prega.
Vale lembrar que todos esses fundamentos são a base para o nosso futuro comum. Portanto, toda e qualquer informação verídica que guie nossa trajetória em busca do desenvolvimento sustentável deve ser compartilhada, para que cada vez mais pessoas tenham conhecimento sobre o assunto!
A 21ª edição da SAEQA, que ocorreu entre os dias 09 e 13 de agosto de 2021, abordou temas importantes da Engenharia de Alimentos e da Engenharia Química, como o deste artigo! Acompanhe nossas redes sociais para ficar por dentro das novidades da próxima edição do evento!
Texto escrito por Diana Hartmann
Referências:
VENTURA, D.; JAIME, P.C. e RIBEIRO, H. Alimentação e sustentabilidade. Estudos avançados, n. 31, v. 89, 2017.
Disponível em: <https://www.foodconnection.com.br/sustentabilidade/entenda-importncia-da-economia-circular-para-indstria-de-alimentos-e-bebidas>. Acesso em: 18/06/2021.
Disponível em: <https://www.eali.com.br/post/sustentabilidade-no-mercado-de-alimentos-mais-que-uma-tendência>. Acesso em: 18/06/2021
Disponível em: <http://blogdasegurancaalimentar.volkdobrasil.com.br/sustentabilidade-na-industria-de-alimentos/>. Acesso em: 18/06/2021
Report of the World Comission on Enviroment and Development - “Our common future”. ONU, 1987.
Engineering for Sustainable Development: Guiding Principles. The Royal Academy of Engineering, 2005.
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