Você já deve ter ouvido falar da implementação de biocombustíveis para gerar energia limpa e substituir os combustíveis fósseis que contribuem para o aquecimento global. Uma alternativa promissora é o biodiesel, que no Brasil tem sido misturado ao diesel fóssil em pequenas frações, numa tentativa de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. De fato, a queima desse biocombustível emite, em média, 48% menos monóxido de carbono que o diesel fóssil, segundo o site BiodieselBR. No entanto, o que dificulta o aumento da utilização do biodiesel é seu custo de produção, que pode chegar a ser 3 vezes maior que o custo do diesel normal devido ao alto custo da matéria-prima, segundo a autora Alice Medeiros de Lima.
No Brasil, a maior parte do biodiesel produzido vem da soja, e se você está por dentro dos preços dos ítens da cesta básica no mercado, você já sabe que no último ano o valor do óleo de soja aumentou muito.
Analisando esse cenário, será que ainda é economicamente viável produzir biodiesel?
fonte: https://cienciaemacao.com.br/biodiesel/
Mas como o biodiesel é feito?
O biodiesel pode ser produzido por três rotas de produção: transesterificação, esterificação e craqueamento, como afirma a autora Lima. Dentre essas, a principal forma de obtenção ocorre pela reação de transesterificação, que consiste na mistura de um triacilglicerol (triglicerídeo) com um álcool, formando ésteres e glicerina.
Para diminuir os custos de produção, podemos pensar em três opções:
Escolher uma rota com o melhor custo-benefício;
Escolher outro tipo de matéria graxa, como gordura animal, óleos vegetais ou óleos residuais;
Comercializar a glicerina obtida no final do processo.
Nos próximos parágrafos vamos discutir os dois primeiros tópicos, pois em todas as rotas podemos comercializar a glicerina, o que muda é o grau de pureza obtido em cada processo.
Entendendo mais sobre as rotas
Na reação de transesterificação, é possível trabalhar com a rota não-catalítica ou com a rota de catalisadores básicos, ácidos ou enzimáticos. Além disso, o tipo de álcool que vai reagir é que define o tipo de rota. Os álcoois mais comumente utilizados são o metanol e o etanol. No entanto, o metanol é o álcool mais escolhido devido a seu baixo custo e por reagir mais rapidamente com o óleo vegetal do que os outros álcoois, além de possuir menor teor de água, que diminui o processo de saponificação da catálise básica.
A catálise básica é a mais utilizada e viável economicamente. Como explica o autor William Costa e Silva, essa rota apresenta maior rendimento e seletividade, além de apresentar menores problemas relacionados à corrosão dos equipamentos. Porém, na presença de umidade e de matéria-prima com alto teor de ácidos graxos livres, que é o caso do óleo residual, esbarramos em um conceito básico das aulas de química: a reação de saponificação. O sabão é um problema pois age como um tensoativo, dificultando a separação entre o biodiesel e o glicerol.
Nesse caso, como produzir biodiesel e não sabão?
Como explica o autor Fernando Henrique Dib, “é necessário um pré-tratamento da matéria-prima para reduzir o teor destes ácidos graxos e a partir daí, prosseguir a produção através da transesterificação alcalina”.
No processo enzimático a pureza da glicerina obtida é alta, há uma baixa dosagem de metanol e um baixo consumo energético, que torna o processo mais barato e possibilita o uso de matérias-primas residuais com maior facilidade. Vale destacar que podemos utilizar dois tipos de enzima: a livre e a imobilizada. A enzima livre apresenta algumas desvantagens, tais como alto custo, baixa estabilidade e impossibilidade de reutilização. Dessa forma, um importante avanço foi o surgimento da técnica de imobilização de enzimas, que melhorou a sua estabilidade e possibilitou a sua reutilização no processo de produção de biodiesel.
Já no processo não-catalítico, com o uso de tecnologia supercrítica, as vantagens são:
Obtenção de elevados rendimentos sem a utilização de catalisador;
Tempo reduzido de reação;
Maior simplicidade na purificação.
Além disso, a glicerina apresenta uma pureza muito superior à obtida através do processo catalítico, o que favorece sua venda. Em compensação, para a realização desse processo, é necessário um alto consumo energético.
E a matéria-prima?
Como comentado no início, o preço da soja, principal matéria-prima para produção de biodiesel no Brasil, subiu muito nos últimos anos por conta do mercado de proteínas. Assim, aproveitando o gancho do parágrafo anterior, uma alternativa barata para esse problema é utilizar matéria-prima residual para produzir biodiesel. Podemos usar, por exemplo, o óleo sujo proveniente de indústrias que preparam alimentos pelo processo de fritura, restaurantes, lanchonetes e até mesmo do esgoto. Mas também existem processos que usam gordura animal proveniente da indústria de carnes. No entanto, utilizar esse tipo de matéria-prima às vezes exige uma etapa de pré-tratamento, como é o caso da rota com catálise básica, que pode encarecer o processo.
O que um(a) engenheiro(a) químico(a) tem a ver com isso?
É claro que para decidir qual é a rota com maior custo-benefício teríamos que fazer uma análise técnica-econômica, o que não vem ao caso, pois o objetivo deste artigo é mostrar uma parte do “Universo de possibilidades” onde um engenheiro(a) químico(a) pode atuar. Já imaginou você no trabalho usando óleo sujo para produzir energia renovável? Além de garantir um destino melhor desse resíduo, cujo descarte inadequado causa diversos impactos ambientais, você ainda reduz a emissão de gases que causam o efeito estufa. Ou seja, acabamos de mostrar que a Engenharia Química pode sim contribuir para o desenvolvimento sustentável da nossa sociedade.
Gostou dessa ideia? Na SAEQA 2021 vamos abordar diversos temas interessantes como esse, pois “A Engenharia Numa Casca de Noz” é isto: resolver problemas de forma inteligente, visando minimizar os impactos ambientais e sociais.
Texto escrito por Bruna Hedel e Julia Cristina Neckel
Referências
O Protocolo de Kyoto e o Biodiesel. 2006. Publicado no site BiodieselBR. Disponível em: https://www.biodieselbr.com/destaques/analise2/protocolo-kyoto-biodiesel-o-aumento. Acesso em: 02 jun. 2021.
LIMA, Alice Medeiros de. Estudos recentes e perspectivas da viabilidade técnico-econômica da produção de biodiesel. 2012. Documentos/Embrapa Agroenergia. Disponível em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/infoteca/bitstream/doc/933944/1/doc08Alice.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021.
DIB, Fernando Henrique. Produção de biodiesel a partir de óleo residual reciclado e realização de testes comparativos com outros tipos de biodiesel e proporções de mistura em um moto-gerador. 2010. 118 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Mecânica, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Universidade Estadual Paulista, Ilha Solteira - SP, 2010. Disponível em: https://www.feis.unesp.br/Home/departamentos/engenhariamecanica/nuplen/producao-de-biodiesel-a-partir-de-oleo-residual-reciclado-e-realizacoo-de-testes-comparativos-com-outros-tipos-de-biodiesel-e-proporcoes-de-mistura-em-um-moto-gerador.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021.
SILVA, Willian Costa e. Produção enzimática de biodiesel a partir de óleos láuricos em reatores de leito fixo duplo estágio incorporando coluna extratora do glicerol formado como subproduto. 2013. 125 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Engenharia Química, Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo, Lorena - SP, 2013. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/97/97137/tde-09102013-104245/publico/EQD13004_C.pdf. Acesso em: 02 jun. 2021.
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